O programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, encaminhou, no último dia 27 de abril, carta à Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) questionando as informações e orientações equivocadas do manual “Marketing Responsável – Garantias e Limites da Publicidade Infantil: A ABA em prol da Publicidade Responsável” , recentemente lançado. Direcionado a empresas anunciantes, o guia da ABA apresenta erros conceituais sobre publicidade infantil, interpretações enviesadas da lei, equívocos graves do ponto de vista ético, além de ignorar completamente a ilegalidade da prática de publicidade direcionada ao público abaixo de 12 anos de idade.
Entre os equívocos do manual apontados pelo Criança e Consumo, está a afirmação incorreta de que não haveria qualquer relação de causalidade entre publicidade infantil e consumismo, obesidade infantil e consumo excessivo de produtos industrializados com altos índices de açúcar e baixo teor nutricional, enquanto renomados estudos nacionais e internacionais apontam o oposto. Além disso, o guia da ABA chama de “polêmicas desnecessárias” duas táticas notadamente abusivas de publicidade infantil: a realização de publicidade em escolas e a oferta de brindes. A publicação da ABA também se equivoca ao defender a autorregulamentação como suficiente para coibir abusos, desconsiderando as limitações quanto ao seu alcance e efetividade, e ao criar uma falsa oposição entre a proibição da publicidade infantil e o direito à livre manifestação de ideias.
Em sua carta, o Criança e Consumo pontua e responde a esses e outros equívocos do manual e recomenda à ABA que estimule e oriente as empresas anunciantes a mudarem suas condutas, passando a direcionar campanhas publicitárias e ações de marketing exclusivamente aos adultos, responsáveis pelas decisões de compra familiares e com capacidade para entender o objetivo persuasivo do conteúdo transmitido para divulgação de marcas, produtos e serviços.
“É inadmissível que a Associação Brasileira de Anunciantes venha a público disponibilizar um manual que orienta seus associados a descumprirem a legislação brasileira vigente, que já proíbe a publicidade direcionada ao público infantil. Não é justo permitir que empresas falem diretamente com as crianças, promovendo os produtos e valores que lhes convêm, atravessando a autoridade familiar, e culpabilizar exclusivamente mães, pais e responsáveis pelas consequências negativas da publicidade infantil. Por isso, ao contrário do que o Guia prega, é fundamental que Estado, empresas e toda a sociedade assumam o dever constitucional de garantir os direitos das crianças com absoluta prioridade”, ressalta Livia Cattaruzzi, advogada do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana.
Posicionamento da ABA
A ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) enviou ao ABC da Comunicação uma nota de esclarecimento sobre o questionamento feito pelo Grupo Alana.
Veja a nota na íntegra:
Nota à Imprensa
ABA, mais uma vez, abre diálogo democrático e responde a queixa de Instituto Alana
Em 13/03/2020 a ABA, após detidas discussões internas em seus grupos de trabalho, lançou o seu Guia “Marketing Responsável – Garantias e Limites da Publicidade Infantil”. O documento, que se apresenta como importante marco do marketing responsável, consolida o entendimento institucional da ABA em prol da publicidade infantil com responsabilidade e atendimento a todos os marcos legais e autorregulamentares existentes.
Recentemente, a ABA foi surpreendida pela correspondência do Instituto Alana que de forma autoritária “requer que a entidade “reformule o manual” e “publique nota ao mercado”, uma vez que seu conteúdo não observaria a legislação brasileira, a qual já “proibiria toda e qualquer a publicidade dirigida às crianças”.
A ABA pauta seu posicionamento em valores democráticos e tem mais de 60 anos de reconhecidos esforços em prol do crescimento institucional do setor, e fomenta o compliance, a ética empresarial, a publicidade responsável e sustentável.
A ABA rechaça inteiramente as acusações do Instituto Alana. No que tange especificamente ao tema da publicidade infantil, a Entidade se posiciona sempre a partir de 6 pilares fundamentais, todos eles replicados no Guia ABA, a saber:
- defende a liberdade de expressão e de escolha como valor maior e constitucionalmente protegido de uma sociedade livre e democrática.
- defende o desenvolvimento sustentável e acredita na importância de uma publicidade responsável, atenta à legislação e aos valores maiores da sociedade.
- apoia iniciativas de autorregulamentação da publicidade, em consonância com os mais elevados padrões internacionais, pois acredita que este é o caminho mais adequado, ágil e efetivo ao controle e regulamentação de atividade.
- repudia a publicidade enganosa ou abusiva, sobretudo aquela que se aproveita da inexperiência da criança. Endossa as restrições trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e Adolescente, e o CONAR.
- reprova qualquer iniciativa de banimento na publicidade, inclusive da publicidade infantil. A ABA está certa de que se trata de bandeira inconstitucional e que trabalha em desfavor do desenvolvimento maior de toda a sociedade.
- acredita na grande importância da educação ao consumo e no central papel da família na orientação das suas crianças, notadamente em um mundo midiático e globalizado.
A ABA afirma ser improcedente a afirmação do ALANA de que “a legislação vigente considera abusiva todo tipo de comunicação mercadológica direcionada a crianças”. Assim como ocorre na vasta maioria dos países do mundo, inexiste no ordenamento brasileiro uma proibição à publicidade infantil. De modo equilibrado, o CDC/90 declara ser abusiva aquela publicidade que, isto sim, “se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança” (art. 37, § 2º, CDC). Adota-se, portanto, no Brasil uma análise caso a caso, como tem sido feito há mais de três décadas pelos diferentes órgãos Estatais e autorregulamentares (CONAR).
Sandra Martinelli, presidente-executiva da ABA, afirma que “a ‘proteção da infância é um valor social que deve ser respeitado também nas relações de mercado e consumo’, mas a criança não deve ser inserida em uma ‘bolha’, alheia a tudo e todos. Proteger não é isolar; mas cuidar, acompanhar e vigiar para que desvios não sejam praticados. O isolamento não educa e a frustração é fonte clara de ensinamentos e crescimento psicossocial, respeitada a liberdade de escolha e autodeterminação das famílias.”
É importante ainda esclarecer que o Guia da ABA:
Não defende a intromissão das empresas no ambiente escolar. A ABA acredita na pontual e previamente autorizada (pelos pais e responsáveis) presença da empresa na escola apenas como forma de:
- contribuir para projetos pedagógicos (ex: laboratórios);
- ajudar em campanhas com forte apelo de política pública (ex: vacinação);
- fomentar ações para ensino do consumo responsável (ex: pirâmide alimentar).
Não diminui a importância do problema da obesidade no mundo, mas repele afirmações que atribuem à publicidade a causa direta e imediata de todos os males da humanidade, inclusive da obesidade. Trata-se de uma condição médica de causas multifatoriais, sendo a publicidade de alimentos altamente regulamentada no Brasil.
Não fomenta o uso indiscriminado de brindes para o público infantil. Entende-se, porém, que a sua mera disponibilização em promoções não pode ser taxada de prática abusiva e ilegal. Apenas o marketing que promove o consumo irresponsável deve ser reprovado, analisado caso a caso.
“Convidamos a todos ao constante diálogo maduro e à reflexão sincera. Consignamos aqui nossa crítica a discursos inflamados, que adotam uma abordagem simplista de proibição para temas complexos e inerentes à nossa sociedade contemporânea. Como já afirmava o jornalista e crítico social Henry Louis Mencken: ‘para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada’”, conclui Sandra Martinelli.