Um ensaio sobre cultura e métodos de projeto
Antes de começar essa história envolvendo a Itália, um patinete e questões importantes relacionadas a projeto, vou contar um pouco da minha história. Atualmente, sou designer visual e profissional de branding. Formei em design de produto e gráfico pela Universidade de Brasília em 2003. Até aquela época, a UnB focava na máxima “forma segue função” da Bauhaus. Estudei projeto sob a ótica clássica de que devemos saber tudo a respeito do cenário que envolve o problema para depois então encontrar a solução. Analisávamos toda história de determinado produto, seus similares e concorrentes, fazíamos análises paramétricas, morfológicas, Benchmarking, SWOT e questionários com usuários. Não eram pesquisas perfeitas, mas projetos precisam ser fundamentados e todas estas práticas construíram minha base como designer. Mas a história mesmo começa em 2006, quando fui para Itália fazer mestrado no Politécnico de Milão. Naquela época, ainda queria trabalhar somente com design de produto. Fiz mestrado em “Metodi e Tecniche del Disegno Industriale”. Achava que teria toda a formação técnica e metodológica para virar uma grande designer de equipamentos esportivos (patinei artisticamente por muitos anos e queria que os patins fizessem parte da minha vida para sempre – hoje só dou umas patinadas esporádicas em meu negócio mesmo). Cheguei então em uma das primeiras aulas um pouco atrasada e perdida. Peguei o “bonde andando” e descobri qual era a tarefa a ser realizada imediatamente: projetar um veículo não motorizado. Podia ser um triciclo, bicicleta ou patinete. Perguntei:
– pode ser um patins? – recebi um sonoro “NO”! Ok… levanto minha mão novamente:
– onde pesquiso sobre patinetes para eu começar meu projeto? – Na época, não tínhamos smartphones…
– Ragazza, non sai cosa é un patinette?
– Sim… sei… mas não sei sobre a história do patinete, quais são as marcas existentes no mercado, de que material é feito, as medidas gerais, os tipos de patinete…
– Ma ragazza, como pensa em projetar o SEU patinete se você já inicia o projeto com tantas LIMITAÇÕES?
A pergunta até que fez algum sentido, mas meu lado racional rejeitou aquilo completamente. Resultado resumido da história: empaquei nesse projeto, não passei nessa matéria, travei o fluxo do curso e grande parte da experiência Itália ficou mais difícil. Tudo por causa de um patinete e… de uma mente bem fechada que foi sendo aberta aos poucos, com amadurecimento, observação de toda cultura e forma de pensar e estudos de métodos em Design – mais especificamente, por causa de um método envolvendo uma árvore, um corvo e um poeta macabro (explico melhor em um próximo artigo).
Contei uma história e ainda não desenvolvi meu ponto. Você deve estar se perguntando “o que abdução tem a ver com isso?”. Abdução é o nome de um processo de estruturação do pensamento. Dedução e Indução são dois dos processos que mais utilizamos. O raciocínio dedutivo está relacionado ao pensamento analítico. Esse é o pensamento que busca analisar várias informações buscando convergir para um único resultado, do geral para o específico. O raciocínio indutivo é o processo inverso, partindo do específico para o geral. Não produz novos conhecimentos (assim como o pensamento dedutivo), mas procura induzir o conhecimento já existente à uma validação por meio de uma experimentação. Está relacionado ao método empírico que obtém conhecimento por meio dos 5 sentidos e tem como resultado uma possibilidade de ser verdade.
Já o raciocínio abdutivo atua entre os dois raciocínios anteriores. O raciocínio abdutivo é ampliativo: busca a validade (assim como a indução) e busca a melhor explicação possível (como a dedução). A Abdução, sendo a única lógica que introduz uma nova ideia, é o raciocínio que produz a criatividade e a inovação. E foi aí que eu descobri o grande segredo dos italianos em termos de projeto! Para pensamentos abdutivos (e criativos), boas pesquisas são fundamentais. Italianos também as fazem, claro. Mas o que eles se permitem (e aqui está o ouro desta história toda) é transgredir a ordem clássica projetual. Tirando a ideia de projeto de um primeiro insight, de um “olhar puro” e muito pessoal, abre-se um espaço ainda maior para a novidade, para a “mente que flui”. Olhar somente para a situação padrão já estabelecida limita as possibilidades de trazer inovações à tona. Acredite, portanto, em seu repertório, na sua formação e nos seus instintos sobre o que seria um bom caminho. Sempre que for realizar um projeto, saiba ouvir seu cliente, suas experiências e suas visões; pesquise sobre o problema e necessidades apontadas; mas jamais subjugue sua experiência, sensibilidade e capacidade de usar seu conhecimento tácito guiando e abrindo caminhos para as mais diferentes hipóteses. “E se…”, “provavelmente” e “sinto que” devem ser expressões companheiras em jornadas projetuais. A nova ideia não está de bobeira aí fora, caindo do céu. O novo vem de dentro, vem do mergulho, vem da vivência, do aprendizado contínuo e da coragem de – sistematicamente – questionar e ”sentir” projetos. Antes, durante e após qualquer pesquisa.
Roberta Brack @roberta.brack
Designer com formação multidisciplinar (de Produto e Gráfico), trabalha com Branding, Identidade Visual, Direção Criativa, Reposicionamento de Marca e Direcionamentos para Mídias Sociais e Comunicação Estratégica. Voltada a serviços para pequenas e médias empresas, possui abordagem filosófica e sígnica sobre projetos.
Graduada pela UnB no curso de Design com dupla habilitação (Design Gráfico e Design de Produto) e Mestre pelo Politécnico de Milão na Itália, possui 18 anos de experiência em áreas múltiplas do Design: já foi professora da Universidade de Brasília e de faculdades particulares; já trabalhou com pesquisa em ergonomia e sustentabilidade dentro da Universidade; já trabalhou também em escritórios de design e arquitetura na Itália e no Brasil ganhando prêmios de design de mobiliário.