Por Ricardo Ramos
O aumento do nível de digitalização da sociedade teve como consequência a mudança de costumes das pessoas em vários aspectos do cotidiano, mas principalmente nas relações comerciais, dada a velocidade com que as coisas acontecem no mundo virtual. A capacidade de comparar preços e produtos com um simples clique no computador, smartphone ou outro dispositivo deu ao consumidor mais força na definição dos preços de produtos e serviços. É como se ele passasse a ter mais influência na lei da oferta e da procura.
Mas a tecnologia que mudou costumes e processos também trouxe para o varejo ferramentas que possibilitam acompanhar as tendências e precificar adequadamente cada item que estiver à venda. Imaginemos um supermercado com mais de 15 mil itens em suas prateleiras. Como definir preço e margem adequados para cada produto? Manualmente isso é impossível. Até porque, nos dias de hoje, há lojas que alteram seus preços de venda algumas vezes durante o dia, fazem promoções em horários aleatórios e até definem valores diferentes de um mesmo produto para diferentes perfis de consumidores.
É por essa razão que algumas corporações montam equipes responsáveis pela área de pricing. Ocorre que o assunto “pricing” é relativamente novo em nosso país, e as empresas ainda não sabem muito bem como explorar essa área adequadamente. Relatório da Deloitte sobre o tema conclui que “no Brasil, devido ao grau de maturidade do mercado e à estrutura enxuta das organizações, é comum que as funções de pricing nas empresas estejam atreladas às áreas de vendas, finanças e marketing”.
O atrelamento, porém, não é a melhor decisão porque, ainda de acordo com o relatório da empresa de consultoria, “esse fato pode contribuir para que haja um maior direcionamento corporativo para o aumento de vendas com base em volume e metas comerciais do que em rentabilidade”.
Outra questão é que, ao atrelar área de pricing a um departamento, a tendência é que ele se torne assunto específico daquele setor e não da empresa como um todo. E um processo pouco disseminado pela organização pode acarretar a não continuidade de decisões tomadas pela equipe responsável pela gestão de preços.
Assim, o ideal é que a área de pricing tenha autonomia e participe da elaboração da estratégia de negócios da companhia em situação de igualdade com outros departamentos. A definição de preços deve ser uma estratégia corporativa e não específica de um ou de outro setor. Assim, todos trabalharão em busca das mesmas metas da companhia. A estruturação de uma área de pricing, no entanto, deve ser realizada em etapas respeitando o grau de maturidade e o momento em que cada empresa se encontra.
As companhias que vivem uma fase inicial precisam montar uma estrutura mais enxuta para automatizar a captura de informações, de forma a teremacesso a dados de competitividade automaticamente, em grande escala e frequência adequada.
Outras que já estão mais avançadas precisam que a estrutura consiga analisar e tomar decisões de pricing com base nos preços da concorrência, de forma a permitir que o cliente reaja ao mercadoconcorrencial no menor tempo possível e, por último, em uma terceira fase, mais madura, contar com uma equipe que tome decisões com base na previsão de demanda do consumidor, com uso de inteligência artificial (IA), possibilitando ao cliente prever a demanda do consumidor e se posicionar de forma automática, em grande escala.
Além da atenção ao momento em que cada empresa se encontra, é importante considerar a própria estrutura da companhia, pois só assim será possível definir o modelo que será usado na gestão do pricing. Empresas com pequeno portfólio de produtos e baixa complexidade de pricing podem adotar um sistema de gestão de preços centralizado de forma a criar um padrão único para a empresa toda. A vantagem é a maior aderência de todas as áreas às políticas estabelecidas e a menor complexidade dos sistemas de apoio, sejam softwares ou processos.
Corporações cujas unidades de negócios funcionam de forma independente e que não compartilham produtos ou clientes podem obter mais sucesso com um modelo descentralizado. Nesse caso, cada unidade terá a própria área de pricing, que responderá à diretoria. Maior agilidade nos processos e nas decisões é um dos pontos positivos da descentralização.
Também existe o modelo híbrido, em que há um posicionamento corporativo de pricing, mas as unidades podem fazer adaptações conforme suas realidades. Adequada para empresas cujas unidades têm sinergia, traz como vantagem o compartilhamento de experiências entre elas. Vale ressaltar que não existe formação acadêmica para profissionais de pricing. Normalmente a área conta com uma equipe multidisciplinar constituída por profissionais das áreas de Vendas, Estatística, Contabilidade, Marketing, Administração, Controladoria, entre outros.
Com uma área de pricing bem implantada é possível vencer alguns desafios da cultura de formação de preços que persistem nas empresas nacionais e até internacionais. Um desses desafios está em mudar o foco de atenção. Ainda é comum as empresas tomarem decisões tendo os preços dos concorrentes como principal fator. Essa prioridade voltada mais à concorrência pode ocasionar reações de guerrilha no mercado, afastando a prática do foco no consumidor. O correto, ainda que seja necessário monitorar a concorrência, é que a formação de preços tenha o consumidor como foco principal.
A abordagem centrada apenas em custo, margem e concorrência, também usual, não corresponde mais às transformações sociais e econômicas dos últimos anos. É necessária uma transição para o conceito de pricing, incluindo na estratégia de gestão de preços a percepção de valor pelo cliente. Essa percepção é a que possibilita, por exemplo, estipular as margens de lucro adequadas para cada produto e segmentar preços por região ou perfil de cliente.
Muitas empresas ainda não se deram conta, mas a área de pricing tem a importante função de interligar os objetivos de longo prazo com o plano tático praticado pela força de vendas. Daí a necessidade de agir rápido na adoção do pricing, principalmente porque, com a internet, a concorrência deixou de ser apenas local. Empresas regionais e nacionais têm concorrentes de outras regiões. Monitorar a atuação deles e precificar adequadamente faz toda a diferença em um ambiente de negócios tão competitivo.
*Ricardo Ramos, CEO e fundador da Precifica;