Por Gastão Mattos
No último NRF – Retail Big Show – um dos maiores eventos de varejo do mundo – o CEO da Visa, Alfred Kelly, participando de um painel sobre o futuro do pagamento, se pronunciou sobre a absoluta relevância do uso do dinheiro em espécie como forma de pagar. Se considerado no “wallet share”, o dinheiro em espécie é líder em muitos mercados de destaque como nos Estados Unidos, onde um estudo da PYMNTS de 2015 identificou que o dinheiro é líder em preferência do consumidor para pagamento, com 32% de participação em quantidade de transações (cartões de crédito com 21% e débito com 27%). No Brasil, segundo estudo da Boanerges & Cia, também de 2015, 39% dos pagamentos são efetuados em papel moeda. A relevância do dinheiro está diminuindo, contudo, na linha do tempo. Mas o que está acontecendo na China merece total atenção: o país está mudando a forma de realizar pagamentos de forma acelerada e sem passar pelo uso de cartões, como é notório nas economias ocidentais.
Na China, as compras sem cédula já representam 60% do total do país. Em 2016, o volume de pagamentos feitos com smartphones alcançou a marca dos 5,5 trilhões de dólares, segundo matéria da Exame. Para se ter ideia do que isso representa, de acordo com a Forrester, os pagamentos móveis nos Estados Unidos equivalem a apenas 2% do mercado chinês.
Esse cenário foi traçado graças a um aumento de 31% no PIB per capita e de 30% na taxa de uso da internet, além da oferta de smartphones a preços bastante competitivos. Também se credita essa rápida virtualização do dinheiro na China a duas empresas: a varejista online Alibaba, dona do serviço de pagamentos Alipay, e a empresa de tecnologia Tencent, dona do aplicativo WeChat.
O Alibaba ingressou antes no mercado de meios de pagamento, com o Taobao, uma espécie de versão chinesa do eBay e ganhou ainda mais projeção em 2009, ao lançar um aplicativo para celular para fazer pagamentos também no varejo tradicional. O WeChat Pay, por sua vez, foi lançado em 2013 como uma carteira virtual dentro do WeChat e vem crescendo exponencialmente.
Em apenas três anos, a forte concorrência entre as duas empresas fez com que os chineses praticamente abandonassem o dinheiro de papel para adotar os pagamentos digitais. E não é somente de lojas que estamos falando. A virtualização começa a se expandir para outras áreas, trazendo diversos benefícios aos chineses. Um exemplo interessante são algumas faculdades em cidades como Tianjin que já permitem aos estudantes pagar desde a matrícula à alimentação com smartphones, passando por sua identificação para ingressar nas unidades. Segundo reportagem do IG, a projeção é de que, se implementadas em todo o país, as estratégias de digitalização permitiriam às instituições economizar cerca de US$ 44 mil por ano com custos de produção dos cartões e US$ 1,4 milhão por ano com a perda anual destes cartões. Outro exemplo que a reportagem traz é que os pagamentos digitais pelos smartphones também estão sendo usados para melhorar o acesso à saúde, reduzindo o tempo de espera nas clínicas. Os pagamentos móveis são parte do projeto de “finanças verdes” liderado pelo governo chinês. De acordo com projeções do Banco Mundial, empresas e governos poderão reduzir suas despesas em até 75% com os programas de pagamento digital.
Outros fatores que justificam essa forte digitalização na China é que boa parte da população não tem conta em bancos, baixo índice de uso do cartão de crédito e a falta de sistemas de classificação de crédito.
Já no Brasil, a virtualização também se efetivará, mas a passos mais lentos. Os cartões de débito e crédito ainda não ultrapassaram o dinheiro vivo e a projeção é que isso aconteça somente em 2020, segundo estudo da consultoria Boanerges & Cia. De acordo com o estudo, na comparação com outros países, o Brasil ainda é um país em transição para outros meios de pagamento como cartão, celular, transferências eletrônicas e débito automático, sendo que o dinheiro se concentra principalmente entre as classes de baixa renda, entre as quais o dinheiro é usado em oito a cada dez transações.
Nos Estados Unidos, por sua vez, segundo o Global Cash Index, produzido pela PYMNTS.COM, embora o dinheiro em papel seja o meio de pagamento ainda mais usado no país, sua importância vem caindo e a cultura do cartão ganha terreno. As cédulas eram usadas em 40% das transações em 2012, caindo para 32% em 2015. O uso de cartões de débito, por sua vez, subiu de 25 para 27% neste mesmo período e o de crédito, de 17 para 21%.
O estudo também destaca que o crescimento econômico e a oferta de novos meios de pagamento como – criptografia, carteiras digitais, cartões sem contato, entre outros – levaram à uma diminuição do uso das cédulas, mas que elas estão longe de tornarem-se obsoletas, pois os americanos “adoram” dinheiro vivo.
Assim, podemos considerar que aspectos culturais, tecnológicos e o momento econômico dos países influenciam diretamente a forma como se paga. Independentemente, o dinheiro em papel continuará a perder espaço, embora talvez nunca deixe de existir.
Sobre Gastão Mattos
CEO da Braspag, empresa do grupo Cielo
Com experiência de mais de 20 anos na indústria de pagamentos eletrônicos, Gastão Mattos foi diretor na Credicard entre 1990 e 1995, vice-presidente de marketing da Visa por mais de 6 anos, presidente da M-Cash de 2006 a 2011 e fundou a consultoria GMATTOS Projetos de Marketing, empresa responsável desde 2002 por desenvolver projetos com foco no e-commerce como negócio.
Graduado em Engenharia e com pós-graduação em Engenharia de Produção, ambas pela Escola Politécnica da USP, foi presidente da Câmara Brasileira de Comércio (www.camara-e.net) entre 2003 e 2005. Desde 2011 é CEO da Braspag, empresa do grupo Cielo e líder em soluções de pagamento para e-commerce na América Latina.