Falar sobre educação sexual, prazer e, principalmente, intimidade e sexualidade feminina continua sendo um tabu fora e dentro das redes sociais, especialmente no Instagram e Facebook. Recentemente, muitas páginas de empresas voltadas para educação sexual tiveram anúncios rejeitados, além de suas contas bloqueadas ou banidas pelas plataformas do Meta, que justifica que os conteúdos são impróprios por conta das palavras.
Lubrificante, sexo, vagina, entre outras palavras usadas para conteúdos de páginas voltadas para a saúde sexual da mulher, estão sendo censuradas pelo Meta – o que traz agora um duplo desafio: romper paradigmas e preconceitos do assunto em si, e lidar com a censura das redes sociais.
De acordo com o veículo Washington Post, um grupo de congressistas democratas está pedindo à Comissão Federal de Comércio que investigue as causas pelas quais o Meta tem rejeitado anúncios de saúde sexual direcionados a mulheres, enquanto, aparentemente, posts destinados a homens teriam passado batido pela censura – considerado uma violação da lei federal.
Em janeiro de 2022, a organização sem fins lucrativos Center for Intimacy Justice denunciou o Meta por recusar anúncios de dezenas de grupos de saúde reprodutiva de mulheres alegando que continham “conteúdo adulto” ou promoviam “produtos e serviços adultos”. Na denúncia, a organização menciona casos em que a plataforma barrou anúncios para tratar “sexo doloroso”, incluindo para as mulheres na menopausa ou que possuem endometriose.
O grupo pede que a Comissão Federal do Comércio force o Meta a investigar como o “viés algorítmico” em seu processo de revisão de anúncios pode estar contribuindo para a discriminação e que dedique mais recursos e membros da equipe ao monitoramento de possíveis divergências.
Quando falamos de educação sexual e o quanto o tema ainda sofre preconceito dentro e fora do ambiente digital, temos a missão de buscar o amplo diálogo e mostrar para a sociedade a importância dos corpos e da sexualidade. Todavia, quando isso é impedido por uma rede social como o Instagram, fica difícil avançar nesta jornada.
Aqui no Brasil, o cenário também pôde ser percebido por algumas empresas. Para Marília Ponte, COO da Feel & Lilit, para se manterem ativas nas redes, as femtechs precisam cuidar minuciosamente do conteúdo que é postado, para evitar que posts ou até mesmo a conta seja banida, ou seja, para que não percam todo um trabalho realizado. “Palavras como vulva são banidas e devem ser substituídas por termos que, traz uma certa infantilidade para a palavra e para o assunto e, que precisa, cada vez mais, ser debatido e exposto”, conta.
Devido a esses entraves, femtechs como a Feel & Lilit investem diariamente em conteúdo que tem a intersecção de saúde e sexualidade, para que a sua comunidade tenha acesso a eles e não corram o risco de serem banidas, por exemplo. “Dentro da femtech vivemos uma jornada diária na construção de conteúdos e criação de produtos que unem saúde e sexualidade feminina, algo que traz a conexão do corpo e da mente, atendendo os desejos das nossas consumidoras”, explica a CEO da Feel & Lilit, Marina Ratton.
Outro ponto ressaltado por Marília Ponte, COO da Feel & Lilit, são as batalhas que as mulheres enfrentam a tempos para se encontrar na sexualidade: “Nós mulheres não encontramos espaço para sermos protagonistas e expressarmos como desejamos a nossa sexualidade. A vergonha e desinformação nos cala e censura nos espaços de educação, de produção científica, nos consultórios médicos e até na intimidade de nossas casas com nossos parceiros. E isso não é diferente nas redes sociais. O meio digital reproduz os vieses da nossa sociedade e impede o diálogo saudável e informativo sobre saúde e segurança íntima. Não estamos aqui falando sobre conteúdo pornográfico, que inclusive é o conteúdo mais acessado no mundo digital, estamos batalhando por espaço para educar as mulheres que em sua maioria não tem acesso a uma intimidade saudável, segura e livre graças a falta de conhecimento e ferramentas desenvolvidas pensando nas suas necessidades e desejos.”, conclui.
A empresária Lidia Cabral, da Tech4Sex – plataforma de conteúdo, pesquisas e tendências para bem-estar sexual, mirando na desmistificação de tabus e normalizando conversas acerca do assunto – relata que recentemente foi surpreendida ao ter sua página banida no Instagram por divulgar conteúdos de cunho sexual femininos. Dentre os motivos expostos pelo Instagram para banir a conta estão: publicação de fotos ou outro tipo de conteúdo sexualmente sugestivo, proposição de serviço sexual e o uso de linguagem sexualmente explícita. Após contestar e pedir revisão, a conta foi novamente ativada, sendo que foi considerada que as atividades da conta seguiam as diretrizes da comunidade sobre a proposta de cunho sexual para adultos, porém a página da Tech4Sex foi bloqueada logo após por mais seis vezes e agora está fora do ar. “Isso reforça o quanto a censura dificulta a quebra de tabus quando falamos de sexualidade feminina”, destaca Lídia Cabral.
A Meta Business Suit, empresa que gerencia os anúncios no Instagram e Facebook, diz que os conteúdos são analisados por robôs que fazem uma limpa por causa de casos de pedofilia, abusos, tráfico e, por isso, realiza uma varredura rígida em páginas que contenham conteúdos de cunho sexual. Mas o que fica evidente é que quando tratamos sobre sexualidade feminina a censura é mais invasiva, pois o mesmo não se observa em páginas masculinas, por exemplo.
Pontos a considerar
- As páginas precisam da presença humana para avaliação dos posts, visto que os robôs alimentados por IA podem cometer equívocos;
- Em discussão desde maio, o PL das Fake News, estabelece a criação de novas regras para regulação de conteúdo nas redes sociais e outras plataformas digitais e trazem duras penalidades para as companhias que não agirem para prevenir práticas ilegais dentro dos seus serviços, que estarão sujeitas a multas de até 10% do faturamento (dentro do grupo no Brasil), caso não cumpram com a lei;
- O Instagram possui uma nova ferramenta, o “Controle de conteúdo sensível” que permite que os usuários ajustem se querem ver mais ou menos postagens que acharem desagradáveis ou de mau gosto, de acordo com uma publicação;
- Conteúdos que violam as Diretrizes de Comunidade segundo o Instagram: conteúdo copiado e sem direito de publicação, conteúdo inapropriado, interações artificiais e repetitivas, descumprimento da lei, desrespeito entre os membros, conteúdos que incentivam a automutilação, divulgação de eventos com imagens explicitas e conteúdo prejudicial relacionado à Covid-19.
De acordo com Fernanda Cunha, CEO da Kipiai, agência especializada em marketing de performance, a restrição desses termos impacta diretamente no desempenho de marcas que utilizam as redes sociais para prestar serviços, dificultando a comunicação clara e direta com seu público-alvo, e diminuindo a visibilidade das publicações, já que restringe seus conteúdos. “Essa política afeta negativamente o alcance orgânico das postagens e a capacidade de engajamento com o público. Além disso, essa restrição pode gerar uma sensação de estigma em torno dessas temáticas, o que pode levar ao afastamento de seguidores e à diminuição do envolvimento com a marca”, explica Fernanda.