Por Thiago Ciaciare
O ser humano é naturalmente atraído pelo familiar. Desde os tempos mais remotos, reconhecer ambientes, rostos e padrões conhecidos era essencial para a sobrevivência. Ambientes familiares significavam segurança, aliados e alimentos já testados. Esse comportamento, herdado ao longo de gerações, continua presente e influencia até hoje nossas decisões – incluindo nossas escolhas de consumo. É isso é fundamental para o branding.
Marcas bem-sucedidas entendem que a familiaridade gera confiança. Isso não é apenas uma estratégia de marketing: é uma resposta a mecanismos evolutivos profundos. Estudos como o de Robert Zajonc, pioneiro na teoria do “efeito mera exposição”, mostram que quanto mais somos expostos a algo, maior a probabilidade de gostarmos desse estímulo. Em seus experimentos, os participantes preferiram símbolos abstratos que já haviam visto antes, aos que nunca haviam visto, mesmo sem perceber conscientemente essa exposição (Zajonc, 1968). Esse fenômeno explica por que as marcas reforçam elementos visuais, sonoros e simbólicos para criar uma conexão emocional com seus consumidores.
Mas o desafio do branding moderno não está apenas em gerar reconhecimento – está em equilibrar familiaridade e novidade. Consumidores buscam segurança no que conhecem, mas também precisam de doses de inovação para manterem o interesse. Marcas como Apple e Lego dominam esse equilíbrio: a Apple mantém sua estética minimalista enquanto surpreende com funcionalidades inovadoras, e a Lego preserva seus blocos clássicos, mas os insere em colaborações e narrativas contemporâneas.
Quando esse equilíbrio é rompido, o desafio vem. E o mais recente exemplo dessa ruptura é o famigerado rebranding da Jaguar. Conhecida por sua elegância clássica, a marca optou por uma identidade visual completamente diferente, minimalista e futurista. A reação inicial foi predominantemente de hate, mas a maioria dos críticos não têm clareza de que a repulsa à nova identidade visual está conectada ao fato de que ela não oferece referências familiares. O público sentiu-se deslocado, como se a marca tivesse rompido um vínculo emocional construído ao longo de décadas. Esse exemplo evidencia o risco de mudanças abruptas: elas podem levar o consumidor para um território desconhecido, desafiando o conforto associado à marca.
A importância da familiaridade também é confirmada por dados recentes. Segundo um relatório global da Nielsen (2022), 62% dos consumidores preferem comprar produtos de marcas que reconhecem, mesmo que o preço seja mais alto. Além disso, de acordo com a Harvard Business Review (HBR, 2022), marcas que promovem conexões emocionais fortes podem aumentar em até 64% o valor de vida do cliente (LTV). Isso mostra que a familiaridade não é apenas estética. Ela funciona como um atalho emocional e cognitivo que simplifica escolhas e cria lealdade duradoura.
No entanto, ao romper com sua identidade familiar, a Jaguar inadvertidamente ativou um instinto básico de sobrevivência. Para nossos ancestrais, reconhecer um animal ou ambiente era questão de vida ou morte. Um animal conhecido significava algo já “testado”: ele não nos matava, ou eventualmente já tivesse até mesmo sido caçado e servido de alimento. Reconhecer um ambiente ou padrão familiar era a diferença entre sobreviver e enfrentar um risco desconhecido.
Esse mesmo mecanismo continua ativo em nossos cérebros. Quando uma marca altera drasticamente sua identidade, como foi o caso da Jaguar, ela tira o consumidor dessa zona de segurança. O familiar, que antes era associado à confiança e estabilidade, dá lugar ao novo, ao incerto – e o cérebro humano reage a isso com cautela, rejeição e até hostilidade.
Não gostar do rebranding da Jaguar, portanto, não é apenas uma questão de gosto ou estética: é uma resposta primitiva. Assim como nossos ancestrais evitavam o que não conheciam para não morrer, consumidores tendem a rejeitar mudanças radicais porque elas rompem o vínculo emocional de familiaridade, construído ao longo de séculos. Quando a Jaguar apresentou algo totalmente diferente, ela deixou o público perdido, sem as referências que associavam a marca ao luxo clássico.
Se o cérebro humano fosse uma tribo ancestral, a reação ao rebranding seria clara: “Não sabemos o que é isso, então é melhor evitar.” Essa rejeição não é irracional. É a mesma lógica que nos manteve vivos por milênios. No final, o caso da Jaguar nos lembra que, no branding, como na pré-história, o familiar continua sendo sinônimo de segurança e confiança. E romper com isso pode significar, instintivamente, uma ameaça.